quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Liberdade por Conveniência


Liberdade por Conveniência

(Por: Ricardo)



Hora do jantar, todos vão comer.

Seguem juntos os dois irmãos, Assis e Boechat.

Há uma bifurcação inevitável e um segue à direita e outro, à esquerda.

― Aonde você vai? ― Pergunta Assis, com mais desdém que dúvida.

― Lavar as mãos. ― Responde Boechat.

― Lavar as mãos?! ― Pergunta, mais desafiando que confirmando.

― Sim. Minhas mãos estão sujas, por isso devo lavá-las antes de comer. ― Explica o irmão.

― Suja de que? Não vejo nada!

― Nem toda sujeira está ao alcance dos olhos.

― Agora vai querer que eu lave as minhas também! ― Inflando o peito

― Eu como com as minhas, não com as suas. Mas se quer um conselho...sim, deve lavá-las.

― Porque eu deveria.

― A sujeira causa doenças.

― Quem disse?

― Nossa mãe...nossa avó...nossa bisavó...

― Isso é conversa. Deixei de lavar as mãos há muito tempo e nunca adoeci. ― Conclui orgulhoso.

― Eu também não. Por isso continuo lavando.

― Isso é absurdo! Você não percebe o quanto é tolo seguindo costumes sem fundamento?!

― Não me considero tolo.

― Já está na hora dessa nossa geração acabar com certos costumes infundados que nos obrigaram a seguir por anos. Temos o direito de decidir se queremos ou não lavar nossas mãos! ― Exalta a voz numa atitude mista de inconfidente e adolescente.

― Bem, eu venho lavando as minhas mãos e você, não. Isso não é liberdade? ― desafia.

― Não. Eu estou livre! Eu quebrei o cordão umbilical! Eu sou esclarecido! Você é só um conservadorzinho...

― Mas lavo minhas mãos por decisão própria. Meus atos são expressão de minha livre escolha.

― Não! Sua mente está cauterizada com o veneno dos tabus! Está escolhendo o que nossos antepassados definiram, então não exerce liberdade na escolha!

― Bom, considerei atentamente seu ponto de vista, mas ainda assim prefiro fazer uso de minha livre escolha para decidir lavar as mãos e comer tranqüilo.

― Não! Esta não é uma escolha livre! Coma com as mãos sujas! ― Já instituindo o quinto ato.

Partiu contra o irmão e o levou forçadamente à mesa.

― Coma! ― ordenou.

― Mas não lavei minhas mãos...

― Coma!


Boechat calou-se e comeu.


Comeu a comida usando as mãos imundas com sujeira que ninguém via. Se um dia um dos dois adoeceu não importa. O mais importante é que, graças a Assis, Boechat pôde enfim exercer sua liberdade de escolha, livrando-se dos antigos tabus que impunham pensamentos de uns homens a outros.

Ricardo


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