Liberdade por Conveniência
(Por: Ricardo)
Hora do jantar, todos vão comer.
Seguem juntos os dois irmãos, Assis e Boechat.
Há uma bifurcação inevitável e um segue à direita e outro, à esquerda.
― Aonde você vai? ― Pergunta Assis, com mais desdém que dúvida.
― Lavar as mãos. ― Responde Boechat.
― Lavar as mãos?! ― Pergunta, mais desafiando que confirmando.
― Sim. Minhas mãos estão sujas, por isso devo lavá-las antes de comer. ― Explica o irmão.
― Suja de que? Não vejo nada!
― Nem toda sujeira está ao alcance dos olhos.
― Eu como com as minhas, não com as suas. Mas se quer um conselho...sim, deve lavá-las.
― Porque eu deveria.
― A sujeira causa doenças.
― Quem disse?
― Nossa mãe...nossa avó...nossa bisavó...
― Isso é conversa. Deixei de lavar as mãos há muito tempo e nunca adoeci. ― Conclui orgulhoso.
― Eu também não. Por isso continuo lavando.
― Isso é absurdo! Você não percebe o quanto é tolo seguindo costumes sem fundamento?!
― Não me considero tolo.
― Já está na hora dessa nossa geração acabar com certos costumes infundados que nos obrigaram a seguir por anos. Temos o direito de decidir se queremos ou não lavar nossas mãos! ― Exalta a voz numa atitude mista de inconfidente e adolescente.
― Bem, eu venho lavando as minhas mãos e você, não. Isso não é liberdade? ― desafia.
― Não. Eu estou livre! Eu quebrei o cordão umbilical! Eu sou esclarecido! Você é só um conservadorzinho...
― Mas lavo minhas mãos por decisão própria. Meus atos são expressão de minha livre escolha.
― Não! Sua mente está cauterizada com o veneno dos tabus! Está escolhendo o que nossos antepassados definiram, então não exerce liberdade na escolha!
― Bom, considerei atentamente seu ponto de vista, mas ainda assim prefiro fazer uso de minha livre escolha para decidir lavar as mãos e comer tranqüilo.
― Não! Esta não é uma escolha livre! Coma com as mãos sujas! ― Já instituindo o quinto ato.
Partiu contra o irmão e o levou forçadamente à mesa.
― Coma! ― ordenou.
― Mas não lavei minhas mãos...
― Coma!
Boechat calou-se e comeu.
Comeu a comida usando as mãos imundas com sujeira que ninguém via. Se um dia um dos dois adoeceu não importa. O mais importante é que, graças a Assis, Boechat pôde enfim exercer sua liberdade de escolha, livrando-se dos antigos tabus que impunham pensamentos de uns homens a outros.
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